Causa
Operária: Durante a audiência do dissídio coletivo dos Correios você disse estar
estudando a questão do direito de greve no Brasil. Por que muitas vezes o
judiciário toma uma decisão, mandando a categoria voltar ao trabalho sem
resolver o problema de fundo, que originou a greve. Poderia explicar
isso?
Procurador
Edson Braz da Silva: A
situação é jurídica, mas também muito cultural. Durante um grande tempo no mundo
inteiro greve foi considerada crime. Um fator de sabotagem. Falta de
“solidariedade social dos trabalhadores”. Vendia-se a ideia de que trabalhadores
em greve adotavam um posicionamento egoísta no aspecto social e também
“antieconômico”, porque atentaria contra os interesses econômicos da nação. Isso
veio sendo disseminado no mundo inteiro. Por um tempo, a partir desse
posicionamento, em alguns lugares e aqui no Brasil greve foi considerado crime
contra a segurança nacional. Mas as greves sempre existiram e sempre existirão.
Porque são um fenômeno social. Elas decorrem de uma situação de desespero dos
trabalhadores. Quando eles não têm nada a perder, não tem mais nenhuma
alternativa viável para garantir o atendimento de suas necessidades, eles vão
partir para a greve. Vão partir para o enfrentamento.
Mas
no Brasil foi criada uma válvula de escape que seria a intervenção do Judiciário
nesse conflito patrão-empregado. Durante certo tempo nós tivemos o poder
normativo da Justiça do trabalho que era de criar normas e condições de
trabalho. A ideia veio na época de Getúlio Vargas. Trouxe todo conflito
patrão-empregado para dentro do Estado e deu uma “solução”, para que isso não
gerasse uma situação de conflito tão grande que se espalhasse e ameaçasse o
próprio Estado e seu direito hegemônico de dizer o direito, ditar as regras.
Qual era a ideia? Eu trago todo o conflito capital-trabalho para dentro do
próprio Estado e apresento aqui uma solução que se não tira o trabalhador do
fundo do poço também não deixa que ele morra afogado. Joga-se um tronco ele se
agarra ali e a coisa se mantém. Então as decisões da Justiça do trabalho durante
muito tempo tem se caracterizado da seguinte maneira: o empregador acha que é
exagerada e o empregado acha que é pouca.
Por
isso na última emenda Constitucional cassou-se esse poder normativo da Justiça
do trabalho. A ideia era simplesmente afastar a Justiça do trabalho da solução
desse conflito, deixando que patrões e empregados livremente chegassem a uma
solução. No final da discussão das reformas durante o governo Lula foi
apresentada a ideia de que não acabasse com o poder normativo completamente. Mas
havia o consenso entre patrões e empregados de que era para acabar com o poder
normativo da Justiça do trabalho. Com base no entendimento de que ela não
poderia mais interferir nos conflitos para criar normas e condições de trabalho.
Aí
veio a ideia de que a Justiça do trabalho passasse a funcionar como uma
arbitragem oficial a depender de comum acordo. A ideia do atual ministro Luiz
Felipe [Salomão atual membro do STJ, indicado por Lula] era que se patrões e
empregados aceitassem a manifestação da Justiça do trabalho haveria a
intervenção. Não haveria mais a intervenção compulsória. Por isso a Constituição
fala que só haverá dissídio coletivo, uma arbitragem, ou julgamento pela Justiça
do trabalho se for de comum acordo. Se patrões e empregados acordarem
inicialmente que vão submeter a negociação à Justiça do trabalho.
Causa
Operária: Qual era a situação anterior?
Procurador
Edson Braz da Silva: Era
compulsória. Havendo greve, o presidente do Tribunal, o MPT ou a empresa
poderiam entrar com o dissídio. Havia um dispositivo, antes da Constituição de
88, que autorizava intervenção oficial.
A
ideia constitucional foi acabar com o poder normativo da Justiça do trabalho. O
Tribunal não poderia mais julgar greves. Julgaria os abusos decorrentes da
greve. Se alguém invadisse uma fábrica, uma empresa, se ateassem fogo num
ônibus, ou seja, as responsabilidades individuais seriam levadas a Justiça como
qualquer coisa que viole ou ameace direitos. Mas houve essa proposta do comum
acordo. Na época, [Luiz Felipe Salomão] era juiz convocado atuando no TST. Ele
foi o representante do TST no Conselho de Desenvolvimento Econômico, nas
discussões de reforma trabalhista e do próprio judiciário. Não haveria mais o
poder normativo da Justiça do trabalho, salvo de comum acordo.
Então,
no mundo a greve era crime, depois passou a ser tolerada e hoje, no Brasil, a
greve é um direito constitucionalmente garantido. E a Constituição diz que
compete aos trabalhadores decidirem quando e como será feita a greve e que
interesses defenderão. Nem a lei pode limitar a greve. Ou dizer que ela vai ser
em defesa disso ou daquilo. Com isso, aceitamos a greve de solidariedade e a
greve política, sempre com um liame mínimo com as questões trabalhistas
institucionais. As questões trabalhistas não precisam ser o carro chefe, mas
pode ser uma decorrência. Tipo uma greve geral contra um ato do governo. A greve
não seria contra o patrão, seria contra o governo que mexeu na Previdência. Ou
coisa assim. Como está acontecendo internacionalmente. A greve pode ter a defesa
do interesse econômico, ou interesse trabalhista direto, ou o que daí decorrer.
A greve de solidariedade também. Uma categoria está em greve, e ela não tem
força suficiente, então outra categoria adere para dar força. E até a greve
política, face ao governo em razão de algumas coisas que sejam do interesse do
trabalhador é direito. O que não pode é ter uma greve política pura. Mas se
tiver um viés trabalhista e previdenciário ela estaria plenamente
justificada.
Voltando
a essa ideia de “anticultura” da greve. A greve sempre vai gerar um desconforto
social. Ou ela vai ameaçar a segurança e a vida das pessoas, e a Constituição
diz que nesses casos o poder público e as pessoas envolvidas adotarão medidas
para que não haja esse dano irreversível, a vida, segurança e até patrimônio de
pessoas, mas a greves sempre causarão desconforto social. Mesmo que se trate de
serviços públicos, serviços essenciais.
Eu
penso que todo brasileiro tem um pensamento contra greve. Há uma falta de
solidariedade. Por exemplo, os Correios estavam em greve e os bancários também.
A pessoa que estava em greve nos Correios se fosse ao banco pagar uma conta,
sacar um dinheiro ou qualquer outra coisa, ia ser contra a greve. Ele não
gostaria, porque a greve está mexendo com a vida dele. Se isso é cultural aqui
no Brasil é claro que vai contaminar os membros do Judiciário, os membros do MP,
que adotarão providências antigreve para que não haja esse desconforto social. O
judiciário vai espelhar o pensamento médio da sociedade brasileira. O membro do
MP também. E no Brasil ninguém gosta de greve. Até os próprios trabalhadores não
são solidários a categorias em greve se isso lhe atinge de alguma
forma.
Com
a Emenda 45 que alterou o perfil e a competência da Justiça do trabalho e disse
que o dissídio coletivo dependeria de comum acordo, o judiciário achou uma via
obliqua, amparando as empresas. Passou a dizer que só dependeria de comum acordo
quando é dissídio de natureza econômica, quando há dissídio de greve não precisa
do comum acordo. Mas é claro que dependeria também. Porque a greve no Brasil
normalmente tem esse caráter de conflito econômico e se o sindicato não pode
entrar com um dissídio de natureza econômica para obrigar o patrão a atender as
suas reivindicações, e o patrão pode entrar com o dissídio de greve para não dar
esses direitos, há um desequilíbrio, há uma desigualdade.
Causa
Operária: Em favor do patrão...
Procurador
Edson Braz da Silva: O
patrão vai ter todos os benefícios. Não atende aos interesses da categoria, a
categoria vai à greve, e ele entra com o dissidio de greve. Esse dissidio é
julgado de forma super rápida. Todos os dissídios são julgados de forma bastante
sumária, com os prazos exíguos. Como resultado a Justiça não atende às
reivindicações dos trabalhadores e determina o retorno ao trabalho sob pena de
multa.
Com
isso, o que aconteceu? Os trabalhadores que tinham a greve como um fator de
equilíbrio na disputa capital-trabalho, dado pela Constituição, têm esse direito
cassado e os efeitos simplesmente são anulados. Eles simplesmente não têm mais o
que fazer. Por isso penso que numa situação de dificuldade grande os
trabalhadores vão desobedecer ao judiciário e aí nós vamos ter conflitos
grandes. Como já ocorreu em alguns casos. Como foi o da Petrobras [a histórica
greve de 1995, duramente atacada pelo governo FHC que a partir daí iniciou o
processo de privatização da empresa] e muitos outros. No caso da Petrobras o
Brasil foi condenado na OIT por ato anti-sindical [violação do direito de greve
e livre negociação] quando determinou o retorno ao trabalho e multou os
sindicatos. Mesmo sendo decisão judicial eu penso que esses atos são
anti-sindicais, porque não respeitam a liberdade sindical e não respeitam o
direito de greve que é a maior força que o trabalhador tem dentro do conflito
capital-trabalho.
Penso
que a greve só poderia ser judicializada nos termos que a própria Constituição
prevê, ou seja, em serviço essencial tendo como autor o MP. Só o MPT poderia
entrar com dissídio. Não o patrão. Tem de deixar rolar. O que a Constituição diz
é para garantir a vida, a saúde das pessoas, as situações de dano irreparável,
ademais a greve vai rolar. Quem
tiver mais força vai vencer. Quem não tiver vai negociar.
A
ideia do direito coletivo, diferente do direito individual, é dar instrumentos.
O direito coletivo do trabalho se caracteriza por normas instrumentais. São
aquelas normas que vão equiparar as forças. Nem o sindicato do empregado vai
estar tão forte que subjugue as empresas, nem as empresas estarão tão fortes que
subjuguem os trabalhadores. A ideia é dar esse equilíbrio. Para que achem um
consenso.
Qual
é o grande poder do empregador? A parte econômica. Qual o grande poder do
sindicato? A greve. Se ele parar o capital não lucra, não há desenvolvimento da
atividade lucrativa do empregador. Isso vai forçar a negociação. Se eu tiro a
greve e mantenho o empregador com seu poderio econômico eu estou acabando com o
grande espírito do direito coletivo, que é exatamente permitir que haja uma
igualdade de forças para levar a uma solução negociada.
A
Constituição não proíbe greve em serviço essencial. Ela diz o seguinte: em se
tratando de serviço essencial serão garantidos atendimentos mínimos, aquele que
gere risco à vida e segurança das pessoas. Nesse caso, só quem pode entrar com o
dissídio coletivo é o MPT, o defensor dos direitos coletivos. Se o MPT chama e
há um acordo, as empresas vão disponibilizar os recursos e os trabalhadores a
mão de obra. Feito isso a greve continua de forma tranquila. Sem acabar com o
direito de greve. Em contrapartida não há salário. Porque ele também tem de
sofrer as consequências da greve. Lembra que eu falei que o direito coletivo é
instrumental? O patrão não produz, não tem lucro, e o trabalhador também não vai
receber. Depois se faz um acordo. Porque se não desequilibraria. “Não tenho
prejuízo com a greve então vou fazer a greve enquanto eu puder, enquanto eu
quiser”. Então a greve gera inconveniente tanto para o patrão quanto para o
empregado.
Fechando
o pensamento, na minha interpretação da Constituição: não há proibição da greve
em serviços essenciais, desde que garantido os atendimentos para evitar risco à
vida e segurança das pessoas. Greve em atividade não essencial, não há
possibilidade de dissídio coletivo pela empresa, e por ninguém. Salvo em comum
acordo. Em atividade particular, privada, nem o MP poderia. Em se tratando de
serviço essencial só o MP poderia. Mas como o TST nunca quis perder o seu poder
normativo, o poder de criar normas e condições de trabalho, o pensamento foi
juridicamente ajeitado para dizer que a exigência de comum acordo não se aplica
quando se trata de greve. Aí quando a empresa entra, o TST julga o dissídio e
determina o retorno ao trabalho sob pena de multa. Eu penso, data vênia, respeitando todos os
ministros e pensamentos, que isso é um equívoco.
A
Justiça do trabalho sempre foi insuficiente para resolver os interesses dos
trabalhadores. Os trabalhadores
nunca evoluíram e cresceram nos seus benefícios e direitos com as intervenções
do judiciário trabalhista. Os empregadores sempre se sentiram
injustiçados com essas decisões. É igual a aluguel. É caro para quem paga e
insuficiente para quem recebe. E as decisões da justiça do trabalho são
insuficientes para os trabalhadores e são excessivas para os empregadores. A
ideia é que o Judiciário saia do conflito. Como ficaria a situação da empresa
diante de uma greve? Ela teria o interdito proibitório, a reintegração de posse,
ou seja, as mesmas medidas e mecanismos que qualquer um tem nas varas do
trabalho ou nas instâncias inferiores, para proteger seus interesses e
patrimônio.
Causa
Operária: No caso dos Correios você colocou em discussão essa questão. O
dissídio era ainda mais grave, uma vez que não se trata de serviço
essencial...
Procurador
Edson Braz da Silva: Pelo
conceito da OIT (Organização Internacional do Trabalho), o Comitê de Liberdade
Sindical, diz que serviço de Correios não é uma atividade essencial. É uma
atividade que tem uma importância, mas não chega a ser serviço essencial no
sentido estrito da palavra. Só que no Brasil algumas outras atividades foram
delegadas aos Correios, como pagamentos, remessa de remédios, que passa a ter
uma essencialidade. A postagem, entrega de correspondência, não é serviço
essencial. Em alguns países não há monopólio, é uma atividade privada, é
possível que um particular faça. Mas no Brasil é monopólio então o que pensamos
naquele caso? Que a determinação para a manutenção da atividade seria com
relação aos serviços de entrega de remédio, por exemplo, mas isso o próprio
correio tem um sistema que funciona bem e poderia ser garantido. Então, pela OIT
a atividade de postagem, dos correios, não se integra ao conceito de serviço
essencial estrito senso.
Causa
Operária: Pode-se dizer que empresas estão se recusando a negociar com os
trabalhadores e se escondendo atrás do TST?
Procurador
Edson Braz da Silva: Acontece
isso. O TST, mesmo não querendo, acaba sendo um escudo, uma ferramenta mal usada
pelos empregadores para desequilibrar e até neutralizar a força da greve.
Através do pensamento de que havendo greve a empresa pode entrar com o dissídio
de greve.
Causa
Operária: Isso não está na lei, foi um entendimento...
Procurador
Edson Braz da Silva:
Foi um entendimento. Eles criaram. A Constituição diz que dependerá de comum
acordo. Eles falaram que não. Em caso de greve, não depende de comum acordo
porque a empresa não pode ficar desamparada. Mas a empresa não vai ficar
desamparada. Ela tem todas as medidas judiciais normais como eu já disse.
Interdito proibitório etc. ela tem tudo para se defender. E a Constituição diz
que o MP pode entrar quando houver greve, mas apenas em serviço
essencial.
Mas
a ideia do TST foi sempre de não perder o poder normativo e nem a interferência
nesse conflito capital-trabalho. Eles fizeram um pensamento jurídico que
permitiria a manutenção do status
quo, só que com efeito pior do que era antigamente. Porque a empresa se
nega a negociar, força a greve e a greve lhe autoriza o dissídio. Exemplo, a empresa não poderia
entrar com o dissídio, porque depende de comum acordo, aí ela exaspera na
negociação, leva os trabalhadores à greve e assim pode entrar no judiciário para
buscar o que lhe interessa.
Causa
Operária: Isso ficou claro no caso dos Correios. A empresa não quis negociar e você chegou a
dizer que proporia uma ação civil pública...
Procurador
Edson Braz da Silva: Foi.
Mas não só os Correios. Essa é uma pratica disseminada na administração pública,
tanto estadual, municipal e federal. Eles não negociam. Forçam uma situação de
greve e vão buscar dentro da justiça do trabalho essa “solução”. Que na verdade
é solução só para a empresa. Não é solução para os trabalhadores. Porque eles
não têm seus direitos e interesses atendidos.
Causa
Operária: Quais conclusões foram tiradas desse dissídio dos Correios já que você
comentou ter interesse especial no caso?
Procurador
Edson Braz da Silva: Eu
procurava um caso bom para tentar discutir e levar ao Supremo a intepretação do
TST. Essa ideia de que a empresa pode entrar com o dissídio de greve, sem comum
acordo; se Correios seriam ou não atividade essencial; se o MPT seria o único
titular para o dissídio de greve; e também se seria constitucional determinar-se
que os trabalhadores voltem a trabalhar, sob pena de multa, sem atendimento de
suas reivindicações. Essas são as causas que, eu acho, precisariam ir ao Supremo
Tribunal Federal.
Só
que eu vi que houve acatamento e uma resignação dos sindicatos e da Federação.
Então se os próprios sindicatos e federações não levam esse assunto ao Supremo,
não querem defender seus interesses, o Ministério Público não teria que assumir
a função de advogado dos sindicatos, ou cumprir o papel próprio dos sindicatos.
Porque nós temos outras prioridades. Temos crianças trabalhando, sendo
prostituídas. Temos pessoas morrendo no trabalho. Tem coisas mais prioritárias
para o MP do que defender a liberdade sindical, coisa que as próprias entidades
sindicais poderiam fazer. Nesse caso eu pensei, não vou recorrer, não vou
discutir, já que a parte mais interessada e mais afetada se quedou. O sindicato
poderia recorrer. A federação poderia recorrer da decisão do TST e levar o
assunto ao Supremo.
O
MP atua onde ninguém quer ou não tem condições de atuar. Se o direito violado é
de uma entidade ou pessoa que tem a plena capacidade de defesa desses interesses
a gente não tem como prioridade. Tenho outras coisas para fazer que eu reputo
tão importante quanto isso. E os sindicatos e a federação poderiam com a
estrutura que têm ir ao Supremo discutir por conta própria. Mas como eles se
acomodaram eu deixei. Decidi cuidar de outras coisas.
Causa
Operária: Você acha que vai chegar o momento em que a coisa vai extrapolar mesmo
as decisões judiciais...
Procurador
Edson Braz da Silva:
Como já houve o caso da Petrobras que foi parar na OIT e diversas outras
situações. Eu costumo dizer que a necessidade é que faz o sapo pular e que mexe
com a química social.
São
coisas que eu defendo e discuto no processo, mas ainda não me senti motivado
suficientemente no sentido do interesse social a fazer um papel que os
sindicatos poderiam fazer e fariam até melhor que eu em razão da estrutura que
têm de corpo jurídico, de disponibilidade. Aqui nós somos sempre poucos
procuradores para os problemas que o Brasil tão grande possui. Como trabalho
escravo, trabalho infantil, medicina e segurança do trabalho. Então nos
reservamos a fazer essa outra parte.
Causa
Operária: Esse tema medicina e segurança do trabalho foi inclusive uma coisa que
você insistiu no dissídio dos Correios...
Procurador
Edson Braz da Silva: Sim.
Esse assunto para nós é urgente. Mesmo no caso dos Correios. Não sendo resolvido
resultaria em ação civil pública para que houvesse uma adequação da distribuição
das correspondências, para a preservação da saúde dos empregados dos
Correios.
Causa
Operária: Poderia explicar porque a campanha salarial dos Correios pelo segundo
ano consecutivo vai parar no TST enquanto outras categorias, mesmo com greves
longas, não tem o mesmo destino?
Procurador
Edson Braz da Silva: Os
estatutários não são submetidos à Justiça trabalhista. Como no caso dos
policiais civis ou federais. Em certo momento se entendia que toda situação de
greve, mesmo em serviço público, seria competência do Trabalho. Ela que atuaria
nesses casos. Mas o Supremo entendeu que não. O estatutário (submetidos a
estatuto interno), não sendo celetista (submetidos à Consolidação das Leis
Trabalhistas) está fora dessa atribuição.
Se
as empresas tem regime celetista é Justiça do trabalho. Se é estatutária como a
policia civil, federal ou qualquer outro órgão estatutário aí é competência será
da justiça estadual ou federal, dependendo do órgão. E aí não teria dissídio.
Tem aquelas ações e medidas normais, que já comentamos. Isso prova que não há
necessidade de dissídio coletivo para tudo. Essas são categorias tão importantes
e não tem dissídio coletivo. A coisa vai se resolver naturalmente. Na própria
negociação ou nas varas competentes.
Causa
Operária: A intervenção do poder judiciário acaba impedindo a negociação
coletiva acaba limitando o direito constitucional de
greve?
Procurador
Edson Braz da Silva: Eu
penso com sinceridade que a atuação do judiciário da forma como é hoje praticada
impede a negociação, desequilibra as forças e anula completamente a força, o
poder que é a greve para os trabalhadores.
A
maior força que tem um trabalhador é a greve. Porque o capital lucra em cima da
atividade do trabalhador. Se o trabalhador se nega a vender sua força o capital
não lucra. Então simplesmente se o trabalhador para a empresa tem de negociar.
Mas a intervenção do judiciário frustra a negociação e anula a força que a greve
tem para os trabalhadores. E ignora que greve hoje é direito constitucional. Não
é mais crime. Não é nem “tolerada”, é direito constitucional que deve ser
plenamente exercido, desde que não ameace a vida e segurança das pessoas.
Desconforto social vai acontecer e nós temos de tolerar. Prejuízos aos
empregadores vai acontecer e a ideia é essa mesmo. Temos que aceitar.
É
o que está acontecendo em todo o mundo. As greves são inevitáveis. E os excessos
são cuidados, mas não pode haver impedimento, proibição da greve. O que há são
as forças e interesses em conflitos. Na medida em que os conflitos se
intensificam a greve vai acontecer, se a outra parte não tiver com intenção
sincera de negociar e atender o que se pretende.